Contos de Vigilus 07: Revolução Sombria

Seguindo os Contos de Vigilus, hoje, no sétimo conto, conhecemos um pouco sobre o Warpsmith Haxul, responsável por administrar a Forja Infernus a mando do Warmaster.

Gritos ecoam através dos corredores da Forja Infernus. Não os familiares guinchos dos servo-mecânicos, nem os roncos dos motores das Daemon Engines, mas o ruído ensurdecedor, amplificado por vox, do sistema de alarme senciente da forja – hordas de servos mutantes conectados a scanners e alto-falantes, perambulando pelo complexo.
“Intrusos”, grita o Warpsmith Haxul, com os tentáculos mecânicos de sua armadura ressoando agitados de irritação, enquanto ele percorre a plataforma de ferro que leva aos poços de fundição. “Legalistas, talvez?”
Vorak Nar cambaleava ao lado do Warpsmith, mas não deu nenhuma resposta além de um grunhido. O Obliterator jamais retrucava. Era uma das razões pelas quais Haxul apreciava sua companhia, além da carnificina que provocava entre seus inimigos. Saliva ácida escorria de sua gigantesca boca arcano-cibernética, chiando quando atingia seu exoesqueleto metálico.
“Não”, disse Haxul, assim que seu companheiro respondera. “Nenhum lacaio do Imperador-Cadáver foi poupado em Nemendghast. Isso é outra coisa”.
Eles desceram por uma escadaria espiralada e adentraram os poços de fundição. Pedaços de metal infernal eram erguidos por correntes ósseas naquele salão claustrofóbico. Cada uma das carapaças era suspensa sobre uma caldeira-uterina cheia de almas fundidas – a furiosa essência demoníaca, extraída da distorção pelo próprio Haxul. Por dias a matéria-prima foi tratada e processada pelas ferramentas da indústria sombria, e agora estava quase pronta para ser derramada em uma forma metálica, e transformada em uma máquina assassina pronta para matar e pilhar em nome de Abaddon, o Espoliador.

Embora o ar estivesse denso com as brumas oleosas, o Warpsmith Haxul podia sentir as notas acobreadas de entranhas frescas. Inúmeros corpos imóveis estavam espalhados pelo chão, banhados pelo vermelho das luzes de emergência. A maioria dos cadáveres nada mais eram do que pilhas de carne, restos de servos mutantes e escravos que sacrificavam suas vidas miseráveis na Forja Infernus a fim de alimentar o esforço de guerra do Espoliador. Suas mortes não significavam nada. Sempre chegariam mais mortais.
Haxul também viu restos de armaduras negras em meio ao oceano de corpos destroçados; Chaos Space Marines em vários níveis de corrupção, suas gargantas cortadas e suas entranhas arrancadas. Cápsulas fumegantes de bolter espalhadas pelo chão. O Warpsmith meneou a cabeça, confuso quanto ao que via. Claramente os escravos morreram tentando sobrepujar as sentinelas da Black Legion.
“Fazer isso não é pra qualquer um”, resmungou, rolando um dos guerreiros mortos com sua bota. Uma espécie de lâmina serrilhada atravessava o elmo e o crânio do cadáver.
Os grunhidos de Vorak Nar ficaram mais altos e mais insistentes, na medida em que seus olhos cavernosos encararam além do salão tomado pela fumaça. O torso do Obliterator se contorceu com um ruído ensurdecedor, e um canhão de plasma incandescente emergiu, com sua superfície ainda suja de sangue e vísceras.
Haxul se virou, e sacou a pistola.
Ele ouviu o barulho de pés descalços no chão, e os gritos guturais de bestas enlouquecidas. Das colunas de fumaça de um dos cantos do salão surgiram hordas de escravos cadavéricos – servo-mecânicos e bestas mutantes. Alguns deles se arrastavam sobre seus membros retorcidos, incapazes de correr por conta dos estilhaços cravados em seus corpos. A maioria empunhava armas improvisadas, pedaços de ferro e correntes farpadas. Outros se valiam apenas de unhas e dentes amarelados.
“Rebeldia é punida com excruciação”, gritou o Warpsmith. “Vocês derreterão junto ao ferro por isto”.
Tais palavras instilariam terror mesmo no escravo mais revoltado, porque era uma ameaça que o Warpsmith cumprira diversas vezes. Mas neste dia, suas palavras não surtiram efeito. Os escravos avançaram. Seus olhos brilhavam na escuridão, e suas bocas se abriam de forma não natural, enquanto gritavam como bestas torturadas. Havia outra coisa respondendo aos seus gritos; algo distante, mas que se aproximava. Uma luz horrenda irradiou dos fundos da câmara, aumentando sua intensidade.
Xingando, Haxul apontou e disparou sua pistola. Uma das criaturas explodiu, cobrindo de sangue seus companheiros. Vorak Nar ergueu uma motoarma que emergira em seu antebraço, ao passo que o canhão de plasma do Obliterator lançou uma esfera flamejante de energia que incinerou meia dúzia de servos.
A turba continuava avançando, impassível, e à sua retaguarda o salão de fundição era tomada por cores hipnóticas. Uma onda disforme de espíritos barulhentos tomou o teto da câmara, fluindo através das colunas e das saídas de ventilação ao longo das paredes.
O Warpsmith Haxul então soube o que fez com que os alarmes soassem e destruiu a sanidade dos servo-mecânicos; de alguma maneira, suas defesas tinham sido penetradas. Espíritos demoníacos se infiltraram sutilmente em nossa realidade. Rostos gigantes olhavam para ele, e suas bocas preencheram o lugar com suas gargalhadas.

“Como?”, ele gritou. Ele percorrera cada canto da Forja Infernus, calculando e recalculando cada padrão hexagramático possível, cada inscrição profana e cada ritual tecnomântico. Seu trabalho foi perfeito. No entanto, algo claramente tinha dado errado.
Vorak Nar ignorou os patéticos mortais à sua volta, e apontou seus canhões mecaorgânicos para a massa inquieta de criaturas infernais. Plasma e projéteis do canhão automático tomaram o lugar, despedaçando paredes de rockcrete e passarelas de aço enferrujado. Mas era como atirar na água. A hoste incorpórea mergulhou até o Obliterator, envolvendo-o em um turbilhão de energia. Vorak Nar foi jogado ao chão, e sua queda fez tremer todo o salão. O Obliterator se debateu e convulsionou, ainda disparando suas armas a esmo, até que o turbilhão o partiu em dois.
“Não!”, gritou Haxul, enfurecido pela perda de uma ferramenta tão valiosa.
A horda distorcida avançou e saltou sobre o Warpsmith. Tomado pela raiva, ele os despedaçou com suas garras, e os partiu com seu machado. Mas a Forja Infernus abrigava milhões de escravos, e não importava quantos ele massacrava, eles continuavam a avançar. Ele podia sentir suas garras sobre seu elmo, unhas e garras penetrando a indestrutível ceramite.
Haxul fechou seu punho em volta do crânio de um de seus algozes, e apertou até sentir os ossos partindo. O mundo se resumiu a entranhas e selvageria.
Uma forma inchada emergiu da escuridão. Haxul teve a breve impressão de ver um aracnídeo metálico gigante, com seu corpo segmentado coberto de óleo e sangue. A coisa saltou sobre Haxul com a força de um martelo trovão, e prendeu-lhe ao chão. Ele se deparou com uma monstruosa face insectóide, coberta de olhos. Enquanto se debatia e amaldiçava sob o peso da criatura, membros afiados o golpearam, perfurando seu peito e arrancando pedaços de sua armadura. Ele sentiu uma pontada de agonia perfurando seu cotovelo esquerdo. Haxul olhou, e viu que o braço terminava em um toco ensanguentado. Seu braço cortado se contorcia no chão, ainda empunhando o machado.
“Basta!”, ecoou uma voz, e o monstro imediatamente recuou e se abrigou nas sombras. Os servos se ajoelharam, balbuciando inutilmente. Haxul deitou-se de costas, chiando conforme seus pulmões perfurados eram lentamente preenchidos com sangue.
Saindo lentamente das brumas, uma figura encapuzada. O ar fervia e reluzia conforme o estranho se aproximava, e os espíritos da forja o acompanhavam como uma capa multicolorida. Ele usava uma longa capa escarlate e um elmo com chifres de bode, e braseiros ardiam sobre seus ombros. Em uma das mãos ele carregava um grande cajado com um crânio demoníaco no topo. Embora seu robe fosse da cor do sangue, o Olho de Horus se mostrava orgulhosamente em sua armadura.

O Warpsmith Haxul reconheceu o esplendor de um Mestre da Possessão. Um feiticeiro, um companheiro dos demônios. O ódio subiu por sua garganta como bile, sufocando-o. Ele desprezava inteiramente esses conjuradores de duas caras.
A multidão deformada se postava diante do recém-chegado, como se fosse um salvador enviado para libertar suas vidas sem sentido. Eles abriam caminho, se arrastando e gritando, enquanto ele se aproximava do Warpsmith. Haxul tentou levantar sua pistola bolt, mas o guerreiro colocou a bota sobre seu pulso.
“Traidor”, sussurrou Haxul. “Idiota. Você sabe o que fez? O próprio Warmaster me passou o comando da Forja Infernus. Você acha que ele vai perdoar isso? Quando a forja apagar e a produção parar, ele vai saber o que você fez aqui. O que você acha que ele vai fazer com você, feiticeiro?” – ele cuspiu a última palavra, como um insulto.
“As chamas não vão se apagar”, disse o Mestre da Possessão, ajoelhando diante de Haxul. “Elas arderão ainda mais. Você deposita sua fé no metal, Warpsmith, mas matéria bruta não pode conter todo o potencial do empíreo. Por isso eu vim. Porque tive de liberar este lugar de sua ignorância inútil”.
Criaturas malignas dançavam, triunfais, sobre Haxul, encarando-o com suas faces deformadas, e suas bocas salivando, ante sua liberdade.
“Você queimará por isso”, rosnou Haxul.
“Talvez. Mas não hoje, acredito. Não tema, Warpsmith. Esse pode não ser seu fim. Você servirá fielmente à Ogdóade, se sobreviver”.
Haxul cuspiu sangue no rosto de seu algoz. A figura não recuou quando o sangue ácido se espalhou sobre seu elmo.
“Certamente um hospedeiro valioso”, disse o feiticeiro, encostando a ponta de seu cajado no peito ensanguentado de Haxul. “Sua recompensa será a imortalidade, ou algo do tipo. Aceite a bênção do esclarecimento”.
Quando a cabeça do totem tocou sua pele, brilhou com uma luz profana. Horror e agonia tomaram seu espírito quando ele sentiu que algo dentro dele tentava escapar violentamente, não apenas através de sua carne, mas também de sua alma. Ele resistiu, concentrando sua raiva incontrolável contra a invasão, usando cada porção de sua vontade no confronto.
Não foi o bastante. O que restou de Haxul foi devorado, e algo antigo e inominável regozijava do vazio de sua carne. Quando finalmente seu corpo retorcido e torturado abriu os olhos, não era mais o Warpsmith que observava através deles.
Traduzido por Wilton Barbosa