Contos de Vigilus 03 – Medidas Desesperadas
No terceiro conto da série, acompanhamos o piloto Ferne da Marina Imperial, na mais audaciosa das suas missões: Levar os Reivers do Esquadrão Astranicus ao centro de uma incursão Ork.
O Piloto de Segunda Classe, Gereddan Ferne, puxou com força o manche do Skychild. O Valkyrie desviou da extremidade da Linha de Tzeeler, com o resto do esquadrão em uma formação em seta logo em seguida. Ele sentiu a força-G puxando-o enquanto a nave, já levada além de seus limites, traçava o ângulo mais agudo possível sem que suas asas fossem arrancadas. Mas nove anos na Marinha Imperial deu-lhe um bom olho para manobras, então ele puxou o manche ainda mais. Os picos da cordilheira ficaram ainda mais baixos, revelando o céu bombardeado, então a nave foi ainda mais alto.
A visão que se deparara fez correr a adrenalina pelo seu corpo com tanta intensidade que ele parecia ter sido atingido por um balde de água fervente. Centenas – milhares, talvez – de efígies Ork se erguiam ao longo da Trincheira de Deinos, cada ídolo representando uma combinação de estúpida rusticidade e força bruta. As dunas fora de Mortwald formavam um mar castanho de metal enferrujado e pistões fumegantes, e eles estavam vindo para as trincheiras, ruidosa e lentamente. Algumas das engenhocas eram grandes como um Sentinela, ao passo que outras pareciam montanhas que ganharam vida. Ele observou, incrédulo, um dos maiores avançando um passo e esmagando uma máquina menor como se fosse um besouro. Um urro ensurdecedor o alcançou, tão alto que ele podia ouvir através da cabine de acrílico e dos protetores de ouvido – e não era o ruído trovejante de motores, mas o grito de guerra gutural e incompreensível dos peles verdes.
Ele sentiu os lábios tremerem, e a sensação quente da bile no fundo de sua garganta. “Estamos condenados”, ele balbuciou. “Vigilus está condenada”.
“Se recomponha, Ferne”, disse Godfred. “Temos um trabalho a fazer”.
A voz do artilheiro realçava seu fatalismo. Godfred tinha razão. Ele tinha um transporte cheio de Reivers – gigantes vestidos com armaduras azul-claras desbotadas por sangue e fuligem – e o dever de conduzi-los até o cerne do conflito. Desde a transmissão que foi chamada de Vox Terribilis, a distinção entre Astra Militarum, Marinha Imperial e Adeptus Astartes estava nublada no que concerne aos transportes. Não havia tempo para debate, hierarquia ou protocolo. A morte chegara a Vigilus, tanto do céu, quanto da terra. Qualquer humano precisava lutar de qualquer jeito para que o planeta tivesse uma chance.
“Siga para a maior das efígies”, disse a voz ruidosa do Sargento Veterano Astranicus. “Use as explosões como cobertura. Todo o esquadrão”.
“Entendido”, disse Ferne, em um tom apático. Seu estômago era um poço sem fundo de medo e rivalidade; há menos de três horas, ele apostara com Godfred que o Esquadrão Astranicus os enviaria no encalço do alvo mais perigoso que avistassem.
Mesmo assim, ele jamais imaginaria que seria ordenado a atacar um Gargant ork.
Os céus estavam tomados por espirais de fumaça, rajadas de fogo lançando cinza e estilhaços, artilharia explodindo e rastros esbranquiçados. De vez em quando seu caminho era invadido pela cauda branca de um míssil terra-ar, ou por um enxame de projéteis disparados por um caça ork em sua ofensiva. Ferne sentiu seu Valkyrie sacudir quando um disparo direto atingiu suas asas, e alterou um pouco sua trajetória para que Godfred pudesse atirar de volta. Uma lança de luz carmesim cortou a escuridão, e a nave pele verde que passou por eles explodiu como se estivesse cheia de pólvora.
“Boa!”, disse Ferne.
“Um já foi, faltam trezentos mil”, respondeu Godfred.
“Não foi você que me disse pra não ser derrotista?”
“Ataque iminente! Desviar para a esquerda!” O tom urgente de Retrovic, o colega de esquadrão à sua direita, interrompeu o diálogo. Ferne puxou o manche mais uma vez, e o Valkyrie estremeceu ao arremeter subitamente. Um grande míssil pele verde passou por baixo da asa.
“Foi por pouco”, disse Ferne.
“Alvo avistado”, disse Detherine, piloto do Vengeful Blade à sua esquerda. “Está distraído, pela graça do Imperador”.
Ferne pensou no olhar maligno do Gargant, seus olhos vermelhos brilhando no escuro, e girou na direção deles por um momento. Era um deus pagão da destruição feito de aço e munição. Ao seu lado Stompas, da metade do seu tamanho, mas ainda capazes de esmagar um prédio. Embora os canhões primários do Gargant continuassem a atacar a cidade-colmeia atrás deles, uma de suas armas de ombro – um canhão rotatório com seis bocas de fogo tão grandes quanto o Skychild – alvejava o esquadrão. Ferne podia ver seus canos fumaçando, então uma salva de tiros explodiu em seguida. Houve uma explosão ensurdecedora à esquerda.
“Pelo trono”, exclamou Godfred. “Isso foi Detherine, eu acho. Blade, reportar!”
Nada além de estática.
“Evadir!”
Outra salva de tiros ork explodiu atrás deles. O acrílico da cabine do Skychild estremeceu como se algo tivesse atingido de raspão, e ícones vermelhos brilharam na tela indicando que uma das asas sofrera um grande dano. Um impacto violento sacudiu Ferne, esmagando-o e ativando alarmes estridentes. Uma sensação de dormência se espalhou pelo seu corpo, bem como um líquido pegajoso por suas pernas.
“Vá para a esquerda!”, irrompeu a voz de Astranicus. “Vá para a esquerda e abra a porta lateral!”
Ferne não tinha ânimo para discutir. Ele virou bruscamente o Valkyrie para a esquerda, golpeando a chave que liberava o mecanismo da porta lateral. Um segundo depois o rugido intermitente do bolter pesado do Valkyrie ressoava sobre barulho da batalha logo abaixo, um trovão em staccato que trazia a morte para qualquer um que surgisse à sua frente. Ele pôde perceber no canto do olho que o artilheiro ork no canhão rotatório do Gargant tinha se desfeito em uma explosão de tripas. A tempestade de fogo vindo dele cessara. Instável, danificado, mas não fora de combate, o Skychild continuou o ataque.
“Aproxime trinta jardas!”, disse Astranicus. Ferne rangeu os dentes e mergulhou, fazendo uma curva acentuada próxima à cabeça da gigantesca máquina ork. Godfred lançou os mísseis hellstrike do Valkyrie, que detonaram o ombro do monstro, arrancando um grande pedaço de metal. Não adiantou muito.
“Que diabos é isso…”, disse Godfred.
“Reportar!”, disse Ferne. Ele viu um gancho disparado em sua visão periférica, que se prendeu numa das órbitas do Gargant. Um segundo depois o Valkyrie era jogado para a direita, em uma trajetória tão violenta que um turbilhão de alertas brilhou na tela da cabine. Um alarme soou próximo a sua cabeça e o Skychild traçou um círculo fechado sobre a gigantesca efígie de guerra.
“Agora!”, gritou Astranicus. Ferne viu o sargento Reiver e seus homens saltando, com seus paraquedas gravitacionais brilhando, e pousando nos ombros do Gargant em meio aos disparos dos orks. Em seguida, eles já estavam entre os peles verdes, brandindo suas facas. Então saíram do campo de visão.
Ferne golpeou o autofalante sobre sua cabeça e sussurrou uma prece ao espírito da aeronave quando o Skychild traçou uma nova curva. Tiros trovejaram na cabine, e eles não vinham de baixo. Ele sentiu que vários deles atingiram as asas, e fez uma careta. Valkyries são feitos para resistir, mas não duraria mais um minuto com essa quantidade de danos.
“Eu disse reportar!”
“Eles travaram o gancho na fuselagem e nos prenderam nessa máquina infernal!”, gritou Godfred. “Eu não tenho como soltar!”
“Atira nele ou algo do tipo!”
O Valkyrie deu mais uma volta, enrolando o rígido cabo na cabeça do Gargant. Foi arrastado pra mais perto da cabeça da coisa, arrancando uma complexa arma montada em seu olho direito em uma chuva de faíscas. Ferne viu os Reivers montando algo na cabeça e nos ombros da efígie – explosivos, sem dúvida –, então saltaram até o cabo, agarrando-se um após o outro até que Astranicus soltou o gancho.
O Skychild cambaleou com os motores rugindo, com o cabo sacudindo bem atrás dele. A julgar pelo peso adicional que Ferne podia sentir no manche, haviam cinco Reivers pendurados. Ele ouviu uma grande detonação próxima, e um grito de desânimo dos orks que ficaram para trás.
“Macacos me mordam”, disse Godfred. “Eles conseguiram. Acha que eles vão conseguir sair dessa?”
Ferne balançou a cabeça, ativando os motores enquanto o constructo explodia sobre os milhões de orks logo abaixo. As chamas os alcançaram, mas apenas chamuscaram a fuselagem blindada do Skychild. Os peles verdes sempre põe suas armas mais pesadas na linha de frente, e uma vez que a sede de sangue os contagiava, eles não tinham tempo para alvejar qualquer coisa que não estivessem à sua frente. Essa era a chance que o Valkyrie tinha para retornar ileso a Oteck, a cidade-colmeia que brilhava no horizonte, com suas chaminés despejando poluição.
“Eles são Space Marines”, disse Ferne, em um tom que combinava admiração relutante e amargura. “Eles fazem o que eles querem”.
Traduzido por Wilton Barbosa