O Despertar Psíquico: A Justa
De Dirk Wehner. Original aqui.
Outra leva de Skitarii esmagada pela motoespada da Rainha das Sombras. Os soldados do Deus-Máquina se desfaziam em sangue e óleo em questão de segundos. Erelyn Vo Lucaris, Decadente sobre o trono do Espoliador, não sentia prazer em tais abates. Sentia que o espírito da Rainha das Sombras compartilhava com ela o mesmo desapontamento. Pelo contrário, os Skitarii o irritaram ainda mais por sua insignificância.
Quanta ousadia em nos atacar! Acreditam ser capazes de parar-nos? Ou mesmo nos ferir?
Com um grito de desprezo, repetido pelas trompas de guerra do titã, ergueu o pés da máquina de guerra e esmagou-os como insetos. Erelyn sorriu de suas mortes.
Indignos de nossa atenção.
As metralhadoras pesadas da Rainha das Sombras ingressaram no massacre, criando crateras fumegantes na blindagem e nas partes biônicas dos alvos. A máquina corrompida parecia concordar com sua senhora, bem como os fantasmas de seus ancestrais, que assombravam as conexões neurais entre Erelyn e o Trono Mechanicum.
Não valem o esforço. Não valem nossa atenção. Nada além de um massacre. Nenhuma honra nisso.
Outro esgar mecânico ressoou dos alto-falantes do titã quando ele golpeou com sua manopla. Cravara no solo um tanque artrópode, e lançara sua carcaça flamejante sobre as fileiras Skitarii. Mais guerreiros do Onimessias se juntaram ante a Rainha das Sombras, disparando-lhe rajadas de energia, incansavelmente.
Ainda que mal arranhassem o brasão da Casa Lucaris, tamanho desrespeito não seria ignorado.
Erelyn virou-se, inclinando-se sobre eles como um antigo deus da morte.
“A morte que vos trago é mais do que mereceis, vermes!”, rosnou, embora soubesse que os mataria de qualquer forma.
Mais uma vez, a ceifadora entoou seu canto mortal, transformando cada inimigo retalhado em uma nota musical em sua sinfonia macabra. Erelyn baixou a manopla trovejante e agarrou dois guerreiros de vestes vermelhas, erguendo-os. Talvez fosse capaz de farejar-lhes o medo se os olhasse diretamente nos olhos, então trouxe a dupla de Skitarii para perto dos órgãos sensoriais surgidos em meio a massa biomecânica do elmo da Rainha. Uma espuma oleosa escapou pela tela que fazia-lhe as vezes de boca, conforme o knight aumentava lentamente a pressão do punho sobre as vítimas.
Isso…
“Alto lá!”
A voz clara e amplificada pelo vox atravessou a cacofonia da guerra que explodia ao redor. Erelyn virou a cabeça bruscamente, movimento reproduzido pelos barulhentos motores de seu titã. Decadente e máquina de guerra rosnaram em uníssono.
“Sim, herege. Tu e o ogro degenerado que pilotas. Sob os auspícios do Imperador, eu te desafio a um duelo formal.”
O knight legalista era da categoria Paladino, armado com uma ceifadora em um dos braços, um canhão repetidor no outro, e metralhadoras pesadas, ansiosas por serem empregadas. Vestia as cores da Casa Terryn.
Como Erelyn odiava a Casa Terryn!
Ela fez questão de esmagar lentamente os dois inimigos que se debatiam nas mãos de seu knight, fixando o olhar em seu desafiante. Jogou-lhes longe, despreocupada e fez o titã caminhar na direção do recém-chegado, estremecendo o chão com seus passos.
Sob a luz carmesim de sua cabine de metal e carne, Erelyn esboçou um sorriso. “Finalmente”, sussurrou. “Um oponente que pode valer a pena”.
O Terryn ergueu a espada em um cumprimento formal, acelerando a lâmina serrilhada e despejando fumaça pelos exaustores da arma.
“Saiba o nome de teu algoz, abominação vil!”, gritou o legalista pelo alto-falante. “Sou Sir Reginaris Castephere Terry, da Casa Terryn, pilotando o Paladino Celebriter. Rápida será a tua morte por minha lâmina, e tua…”
Como vomita honra e cavalheirismo, pensou Erelyn com ares de desprezo. O quão falsos eram os conceitos que nomeava. Quanta pompa. Quanta satisfação, conformismo e estagnação.
Já encontrara criatura tão tola e iludida?, pensou. A voz de Sir Reginaris, até o final do confronto, ecoaria em sua mente, distorcida pela fúria. Era tudo que sentia, fúria. Atentava apenas para a armadura reluzente de seu inimigo e seus títulos de nobreza pueris. Esse tolo estava cego para todo o horror da galáxia na qual vivia sua vidinha extravagante. Não via o poder e o horror dos Deuses Sombrios, e o fim inevitável que viria.
Ele não vê, mas eles o vêem…
“Chega!”, gritou Erelyn. Enviou comandos mentais para o espírito da máquina e a Rainha das Sombras emitiu um grito devastador ao avançar. O chão tremia sob a máquina corrompida, que erguera a motoespada fumegante.
Os motores de Celebriter vomitaram fumaça ruidosamente quando seu piloto espelhou o movimento do Espoliador e fez carga. O ritmo do legalista era mais comedido, e sua motoespada posicionada para bloquear a pesada investida adversária.
Erelyn esperava que o Terryn atirasse quando se aproximasse, mas o piloto se conteve.
Um gesto honrado, pensou incrédula.
Com um uivo raivoso, a Decaída fez com que a Rainha das Sombras executassem um golpe largo de espada tão logo os dois knights se chocaram. Seu alvo era a cabeça de Celebriter, mas a barulhenta arma foi detida ao travar os dentes na motoespada adversária. Faíscas voaram quando as poderosas lâminas serrilhadas engalfinharam-se e soltaram-se sem seguida. Celebriter desviou habilmente de sua inimiga, esmagando o chão com seus pés gigantescos, e girando a arma e traçando um corte brilhante na placa peitoral do Espoliador.
Ambos recuaram alguns passos, levados por seu respectivo momentum, então bateram-se novamente.
“És habilidosa, traidora”, soou a voz confiante de Reginaris. “Mas não és habilidosa o bastante”.
Erelyn bufou, acrescentando sua raiva ao caldeirão formado pelos sentimentos dos fantasmas do Trono e o do espírito da Rainha das Sombras. Sentiu o desejo do titã em despedaçar tudo em retaliação ao golpe sofrido. A batalha continuava ao redor dos knights, mas ela não se importava.
“Matar”, repetia, molhada de suor. “Matar. Matar. Matar!” A Rainha lançou-se novamente contra o inimigo, sedenta de sangue.
Celebriter respondeu-lhe avançando novamente, e o chão tremeu quando as máquinas se chocaram. Com um grito, Erelyn ordenou uma salva de metralhadora no inimigo; sabia ser incapaz de ferí-lo, mas precisava daquele ato de pura violência para aplacar-lhe o ímpeto destrutivo.
O escudo de íons do Paladino interceptou os tiros, embora não detivesse os movimentos do titã, pronto para um novo embate. A coragem do legalista, e as cores vistosas da Casa Terryn eram como insultos para Erelyn.
A Rainha forçou os motores ao máximo em sua carga, despejando fumaça negra de seus exaustores, e ativando toda sorte de alarmes na cabine de sua comandante. Com a força de uma avalanche encouraçada, o knight do Caos chocou-se contra o nêmesis, atingindo-o com uma cabeçada, e um poderoso soco com sua manopla trovejante, arrancando-lhe a proteção do ombro. Tentou penetrar-lhe a motoespada uivante, mas a estocada foi desviada pela lâmina de Sir Reginaris, e mais uma vez o choque das espadas ressoou como a explosão de um manufactorum. Os dois encararam-se por um momento, avaliando as próprias forças, mas nenhum deles parecia estar com a vantagem.
Erelyn afastou-se, com um sonoro palavrão. Os servo-motores grunhiram como um animal ferido quando ordenou que a Rainha recuasse, cujo espírito lutou com todas as suas forças contra o comando da piloto. Os combatentes recuaram e aumentaram a distância entre si antes de se baterem pela terceira vez.
“Parece-me que somos igualmente habilidosos”, anunciou Sir Reginaris. “Admito-o, relutantemente. Mas eu triunfarei, e tu cairás, porque o Imperador é comigo. O Imperador protege”.
A resposta de Erelyn foi um grito tão visceral que pareceu romper-lhe a garganta e unir-se ao som bestial de seu knight.
E pela terceira vez, a Rainha das Sombras esmagou corpos e estilhaços quando Erelyn ordenou-lhe a marcha. A Decaída sentia o ódio tomando-lhe a garganta feito bile tão logo avistou o imperial. Era tudo que podia ver, a única coisa que importava; queria vê-lo morto e sua máquina profanada e destruída. Sua pulsação aumentou, seguindo o ritmo do reator de seu titã.
“Morra!”, gritou. Morra!, gritaram os fantamas. A Rainha das Sombras pareceu repetir as palavras enquanto se lançava contra o odioso rival.
O piloto do Celebriter parecia sentir que aquela seria o último movimento de ambos tão logo ordenou-lhe carga. As chamas do campo de batalha arderam mais alto conforme a distância entre os knights diminuia. A ira de Erelyn manifestava-se na forma de um halo enegrecido em volta da máquina, uma versão profana do escudo de íons tremulando entre sua loucura e o adversário.
Agora a morte virá! Agora a morte virá!
Não sabia se eram seus pensamentos, ou se era a sede de sangue dos fantasmas.
“Ou seriam da Rainha das Sombras?“, perguntou-se um pouco antes dos gigantes colidirem.
Ao se chocarem, Erelyn moveu a manopla trovejante em um golpe circular. Sir Reginaris interceptou o movimento com um hábil contragolpe de sua motoespada. Faíscas voaram. Metal se parte e a manopla da Rainha das Sombras se solta na altura do cotovelo, arremessada como um estranho meteoro, dezenas de metros de distância. Reginaris não se deteve, continuando a golpear a torto e a direito, aproveitando-se do alcance da arma e cravando as presas de seu gume no flanco da máquina do Caos. A espada atingira em cheio; Erelyn gritou ao sentir blindagem, cabos, tubos e maquinário desfeitos em uma violenta chuva de estilhaços. Como se as próprias entranhas estivessem escapando-lhe do ventre.
Um grito de júbilo escapou pelo vox do Paladino, interrompido em seguida. O golpe de Erelyn fora temerário, mas não aleatório. Enquanto a lâmina de Celebriter estava cravada na Rainha das Sombras, a espada do Espoliador se ergueu e foi empurrada com força psicótica no peito da máquina legalista.
“Se seu Imperador protege”, zombou Erelyn, cuspindo sangue, perdida entre a fumaça que tomava a cabine. “Onde ele está agora?”
Sua gargalhada continuou, conforme enterrava a motoespada cada vez mais fundo, e a arma inimiga rasgava-lhe as entranhas de seu titã e invadia-lhe a cabine, lançando-lhe fogo e estilhaços. A dor era indescritível, e um uivo de agonia turvou-lhe a visão.
A Rainha das Sombras estava morrendo.
Ela estava morrendo.
Não importava. Os motores rugiam e os exaustores cuspiam fumaça enquanto Sir Reginaris tentava desesperadamente arrancar a espada firmemente cravada no corpo do rival. Pouco a pouco, a motoespada da Rainha das Sombras causou-lhe tantos danos que o Paladino caiu sobre o Espoliador. Fogo e faíscas tomaram a atmosfera quando finalmente a Rainha cortara-lhe ao meio.
Quando a grande arma alcançou o Trono do Celebriter, o grito do Nobre foi interrompido pelo som parecido com o de um grox lançado em um grande ventilador. O knight estremeceu e desabou, as luzes apagadas e motores inertes.
Erelyn sorriu debilmente antes de ser engolfada pela escuridão.
A vitória era dela.